Por Daniel Alvarenga para o Valor Econômico
A resolução número 4.656/2.018, do Conselho Monetário Nacional, inovou ao criar duas instituições financeiras que não existiam no mercado tradicional e ao instituir novas modalidades pelas quais os créditos são concedidos, modernizando o conceito clássico de “intermediação financeira” como conhecemos até os dias de hoje.
Como já é de conhecimento dos leitores, a principal diferença entre as duas instituições financeiras criadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), é que a Sociedade de Crédito Direto (SCD) opera utilizando apenas recursos próprios, assumindo eventual risco quanto à inadimplência do tomador do crédito e a Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP) opera intermediando operações de crédito entre credores e devedores sem retenção de risco por inadimplência.
No mercado de crédito obrigatoriamente sempre haverá uma parte credora e outra devedora, sendo que no mercado de crédito bancário tradicional, o banco atua como intermediário do crédito, ele capta recursos numa ponta para disponibilizá-los em outra. Tal atividade representa uma intromissão necessária da entidade financeira entre credores e devedores.
Nesta intermediação financeira tradicional, a mobilização da poupança dá-se por intermédio de uma entidade financeira que toma o risco e se coloca entre o detentor e o tomador de capitais, isto é, o fluxo financeiro não ocorre diretamente entre o poupador e o necessitado por crédito. No mercado tradicional, como conhecemos hoje, a entidade financeira atuava sempre intermediando a relação, ou seja, ela toma os recursos de quem os têm para depois repassá-los a quem não dispõe.
A resolução nº 4.656/2.018 modernizou o conceito de “intermediação financeira”, primeiro porque criou duas novas instituições financeiras, segundo porque estas entidades não realizarão a intermediação financeira clássica e terceiro porque houve inovação na forma pela qual tais créditos serão concedidos via plataforma digital.
No que diz respeito a SCD (Sociedade de Crédito Direto), a resolução é clara ao dizer que as operações financeiras deverão ocorrer apenas com a “utilização de recursos financeiros que tenham como única origem capital próprio”. Isto quer dizer que diferentemente dos bancos, a SCD não tem permissão para captar recursos junto ao público ou perante terceiros.
Ao não permitir que a SCD capte recursos junto ao público, a autoridade monetária tem como objetivo resguardar e proteger a poupança popular, porém, beneficia a SCD com uma regulamentação e vigilância mais leve se comparadas com aquelas suportadas, atualmente, pelos bancos comerciais.
A resolução nº 4.656/2018 proíbe que a SCD capte recursos perante terceiros, endividando-se. Possivelmente, a autoridade monetária teve como intenção evitar que as SCDs multiplicassem a rentabilidade através de endividamento, operando no mercado por meio de alavancagem financeira.
Isto não significa que a SCD não possa emitir debêntures ou tomar empréstimo no mercado a título de investimento, o que a mencionada resolução veda é captar recursos de terceiros para aumentar o volume de dinheiro em suas operações de concessão de crédito.
Resolução do CMN permite inovações com grande potencial para fazer os juros bancários caírem, intensificando a oferta de empréstimos e financiamentos com taxas menores, aperfeiçoando a concorrência no mercado hoje dominado por grandes bancos
Logo, não há vedação a SCD para a captação de recursos por meio de emissão de debêntures ou tomada de empréstimo para outras finalidades que não estejam relacionadas diretamente com a concessão de crédito, por exemplo: captação de recursos para ampliação ou desenvolvimento de sua plataforma digital, para contratação de novos colaboradores, para implementação de um novo plano de marketing, etc.
Apesar da SCD não realizar intermediação, propriamente dita, de acordo com o artigo 6º da resolução a SCD pode realizar a cessão de seus direitos creditórios para instituições financeiras, Fidcs e companhias securitizadoras, desde que tais créditos cedidos estejam diretamente relacionados com as operações por ela realizadas em sua plataforma eletrônica, sendo que não há vedação para que os recursos financeiros obtidos com a mencionada cessão de crédito sejam utilizados para a concessão de novos empréstimos financeiros.
Há também inovação na intermediação financeira a ser realizada pela SEP (Sociedade de Empréstimo entre Pessoas): primeiro porque a intermediação ocorrerá por meio de fluxo financeiro direto entre o poupador e o necessitado do crédito, sendo que na intermediação financeira tradicional o fluxo financeiro é indireto, os bancos captam os recursos de seus clientes para depois ofertá-los aos tomadores de capitais; segundo porque apesar da SEP estar entre o credor e o devedor, ela não tomará o risco da inadimplência, sendo que no caso da intermediação financeira bancária, os bancos necessariamente assumem o risco da inadimplência.
Apesar da resolução não dar detalhes de como a negociação a ser estabelecida entre credor e devedor, deverá ocorrer na plataforma digital administrada pela SEP, ela deixa claro que a SEP deverá prestar informações a seus clientes e usuários sobre a natureza e a complexidade das operações negociadas em linguagem clara e objetiva, de forma a permitir ampla compreensão sobre o fluxo dos recursos financeiros e os riscos incorridos.
A SEP deverá, ainda, divulgar e dar amplo acesso aos seus clientes sobre a taxa de retorno esperada; a taxa de juros pactuada com os devedores, os tributos, as tarifas, os eventuais seguros contratados, entre outras despesas e informações que influenciem ou possam influenciar na negociação a ser realizada entre seus clientes.
Respeitado o direito de intimidade e privacidade, bem como o sigilo bancário, é recomendável que a SEP registre ou sumarize os entendimentos de seus clientes no que diz respeito a eventuais negociações por eles concretizadas por meio da plataforma digital gerida pela SEP.
Fica evidente que a resolução nº 4.656/2018 inovou positivamente o conceito que conhecíamos,
até hoje, como intermediação financeira onde os bancos são centralizadores da oferta e da procura de capitais. Inovações que trazem maior competitividade nas intermediações financeiras e novas modalidades de concessão de crédito são essenciais para estimular a participação no mercado financeiro. Tais inovações têm grande potencial para fazer os juros bancários caírem, intensificando a oferta de empréstimo e financiamento com taxas menores, aperfeiçoando a concorrência no mercado hoje dominado por grandes bancos.
Daniel H. C. Alvarenga é sócio de Noronha Advogados, no departamento Bancário e Securitário, especializado em “International Investment Law”pelo King’s College Londone em Estruturas e Operações Empresariais pela FGV-Direito.
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