Escrito por Roberto Panucci Filho e Luã Prado Lopes Prieto Tiozzi

Na última semana, acompanhamos a crise de liquidez e falência da FTX, segunda maior corretora (exchange) de criptoativos do mundo. O colapso da FTX não teve uma única causa, mas envolveu operações entre partes relacionadas, falhas na segregação de ativos de clientes e falhas de segurança, expondo o mercado a riscos sistêmicos e expondo o Bitcoin a um risco ainda maior de desvalorização. Isso deixa clara a urgência em se aprovar o Projeto de Lei nº 4401/2021 e em se regular tal setor.

Ainda que as controvérsias envolvendo a FTX sejam várias, a principal causa do colapso da FTX foi claramente a falha na liquidação, custódia e segregação dos ativos dos clientes dos ativos da própria exchange. Se a FTX tivesse alocado e segregado adequadamente tais ativos, não teria ido à falência. Apesar de a causa ser clara, o colapso da FTX envolveu uma série da fatos que também merecem ser destacados, tais como:

  • Token Nativo. A FTX emitiu tokens nativos denominados FTX Tokens, popularmente conhecidos como FTT. 
  • Investimentos da Alameda Research em FTT. Sam Bankman-Fried (SBF) era controlador não apenas da FTX, mas de uma série de empresas, incluindo a Alameda Research. Nas últimas semanas, foi revelado que o balanço da Alameda Research era composto por diversos ativos ilíquidos, incluindo cerca de US$ 4 bilhões em FTT. Esse fato chamou a atenção de diversos investidores, que chegaram a falar em manipulação de mercado com desconfiança de que o preço do FTT tenha sido inflado e que, em virtude de necessidades de caixa da Alameda, teria que ser continuamente vendido e estaria destinado a não subir de preço.
  • Disputa com a Binance. A Binance e a FTX eram as duas maiores corretoras de criptoativos do mundo e estavam envolvidas em diversas disputas nos últimos anos, inclusive quanto à regulação do setor. Em 6 de novembro, o CEO da Binance, Changpeng Zhao (CZ), tuitou que a Binance havia decidido liquidar todos os FTTs que possuía (cerca de US$ 2,1 bilhões), em virtude das últimas notícias veiculadas (“As part of Binance’s exit from FTX equity last year, Binance received roughly $2.1 billion USD equivalent in cash (BUSD and FTT). Due to recent revelations that have came to light, we have decided to liquidate any remaining FTT on our books”). A disputa com a Binance ainda envolveu uma proposta de aquisição da FTX pela Binance e a desistência da proposta pela Binance, sob a alegação de que os problemas da FTX estariam além da capacidade de a Binance ajudar.
  • Alegações de Conspiração. Visando a evitar uma crise de liquidez, SBF publicou diversos tuítes alegando que a FTX estaria bem e que haveria uma perseguição da Binance.
  • Crise de liquidez. Os investidores não ficaram confortáveis com a situação e realizaram uma corrida de saques na FTX, dando início a uma crise de liquidez, que levou à suspensão dos saques e posteriormente à falência da FTX em 11 de novembro.
  • Suposto Ataque Hacker. Por fim, a FTX anunciou que teria sofrido um ataque hacker na madrugada de sábado (12 de setembro), em que mais de US$ 600 milhões em criptoativos foram roubados e ainda pediu para os usuários excluírem os aplicativos da FTX. 

Ainda que pairem dúvidas sobre a veracidade do ataque hacker, essa ameaça realmente existe. Por exemplo, em 2014, a Mt. Gox, maior exchange de criptoativos da época (comparável à Binance atualmente), foi a falência logo após ser hackeada e ter milhares de Bitcoins roubados.

O colapso da FTX torna ainda mais claro que o setor precisa ser regulado devido a sua relevância, proteção dos investidores, possíveis riscos sistêmicos (que tendem a se intensificar com o aumento da interrelação entre a criptoeconomia e o mercado financeiro) e até para trazer mais credibilidade ao próprio modelo de negócios das exchanges.

No Brasil, a regulação do setor é discutida desde 2015. O Projeto de Lei nº 4401/2021, que traz um marco regulatório para as criptomoedas, foi aprovado pelo Senado em abril deste ano e desde junho aguarda para entrar em pauta na Câmara. Na última semana, em vista da situação envolvendo a FTX, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), a Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto) e outras entidades apoiam o Projeto de Lei e já solicitaram ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PL), que ele seja votado em regime de urgência.

O Projetos de Lei propõe uma regulação, hoje inexistente, ao mercado de criptoativos, que vem apresentando crescimento relevante no volume de recursos financeiros negociados no país, sendo que hoje o número de brasileiros investidores em criptomoedas é de cerca de 6 milhões, superando os 5 milhões de pessoas físicas que investem em bolsa de valores.

O Projeto de lei traz princípios mínimos a serem observados nesse mercado, atribuindo a ente do governo federal a regulação e supervisão das operações com criptoativos e das exchanges. A aprovação desse projeto ainda precisará ser seguida de uma regulação detalhada do setor pelos órgãos responsáveis

Até o momento, foi dada grande ênfase a regulação da prevenção da lavagem de dinheiro, tendo sido dado menor destaque a proteção dos ativos dos investidores. Visando-se a se mitigar o risco de novos problemas semelhantes aos da FTX, é urgente a aprovação do Projeto de Lei e que a regulação preveja – além da prevenção à lavagem de dinheiro –, no mínimo, o seguinte:

  • Segregação dos recursos dos clientes dos recursos da própria Exchange, para se evitar que as exchanges usem os recursos dos clientes como se fossem recursos próprios.
  • Obrigatoriedade de liquidação das transações dos clientes em determinado tempo, para garantir que as exchanges efetivamente adquiram os ativos que lastreiam as suas obrigações com seus clientes.
  • Restrições a transações com partes relacionadas e a tokens nativos, vez que tais mecanismos podem ser utilizados para se lesar investidores e manipular o mercado.
  • Controles internos e segurança da informação, para se reduzir o risco de roubo, furto ou perda de criptoativos.
  • Procedimentos de auditoria para se verificar o cumprimento de tais regras.

Isso tende a aproximar a regulação das exchanges da regulação aplicáveis a instituições financeiras, o que reduz assimetrias regulatórias, traz mais segurança a todo o setor de criptoativos, protege a poupança popular e reduz riscos sistêmicos. O desafio dos reguladores será fazer tudo isso e preservar a livre iniciativa e a concorrência, sem criar indevidas barreiras à entrada.

Sobre os autores:

Roberto Panucci Filho. Advogado, sócio do escritório Mello Torres Advogados, especialista em assessorar empresas brasileiras e estrangeiras em fusões e aquisições, financiamentos e questões de direito societário, especialmente nos mercados de financeiro e de seguros. Bacharel e mestre em direito civil pela Universidade de São Paulo (2008 e 2014), mestre em direito pela Columbia University (2015).

Luã Prado Lopes Prieto Tiozzi. Acadêmico de direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e estagiário do escritório Mello Torres Advogados.

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